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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Entrevista Man In Feast



Os Man In Feast, banda lamecense, lançaram o seu primeiro registo musical, intitulado "How One Becomes What One Is". André Lobão e Afonso Lima deram voz ao projecto, numa conversa que não se restringiu ao EP.




Entrevista em formato áudio (excertos editados):







Entrevista em formato escrito:



Em 2008, quando fundaram a banda, esperavam que o vosso percurso chegasse até este ponto?

André – Acho que tivemos a noção, desde o início, que queríamos que este fosse um projecto sério. Já estávamos todos um bocado cansados de andar noutros projectos em que não éramos levados a sério e queríamos, com este novo projecto, fazer uma coisa que fosse mais séria e que tivesse mais longevidade, por assim dizer.
Afonso – Creio que, quando fundámos este projecto, tínhamos a exigência de que fosse algo que nos realizasse enquanto músicos e que ficasse para o futuro. Nós estamos num ponto em que não sabemos o futuro; sabemos que neste momento já temos um trabalho feito, pelo menos, e isso para já é uma realização muito grande, mesmo.
André – Enquanto pessoas e enquanto músicos.

O facto de há pouco tempo terem mudado de composição afectou o desenvolvimento do vosso trabalho?
André – Muito. Foi provavelmente a mudança mais significativa que ocorreu nos últimos tempos. Na minha óptica, penso que essa mudança ocorreu de uma forma natural. Mas as mudanças foram significativamente melhores. Estamos neste momento já a trabalhar num novo material e já a pensar naquilo que poderá vir a ser um novo registo e satisfaz-me bastante o rumo que as coisas estão a tomar. A nossa nova direcção musical parece-me bastante interessante e muito mais coesa.
Afonso – Inicialmente éramos quatro; entretanto entrou o Zé, que era só músico de suporte, as coisas começaram a evoluir e ele começou a compor connosco. Entretanto, saíram dois membros e entraram outros dois. Sem dúvida nenhuma que, ao ouvir o EP, se nota a influência dos novos membros. De um brilhantismo, pelo menos na minha opinião. A contribuição deles para aquele trabalho foi excelente. Não creio que tenhamos perdido, apenas mudamos de direcção e neste momento estamos a trabalhar de uma forma bastante coesa e, sinceramente, agrada-me mesmo o rumo que as músicas estão a tomar, a abordagem que fizemos aos temas anteriores.
André – Foi mais uma transformação do que propriamente uma mudança, por assim dizer. Embora certas coisas se tenham mantido iguais. Acho que, apesar de termos pouco tempo de existência, já temos coisas que fazem parte da nossa identidade. Há elementos mais experimentais que não queremos perder a nível de composição; já temos alguma maturidade para saber que é isto que somos e queremos fazer.
Afonso – Sim, os elementos-chave na nossa composição mantêm-se porque quem entrou soube que vinha para um projecto que era de determinada forma. Temos um método de composição que é aquilo que nós sentimos que nos distingue.

Iniciaram em 2009 o processo de gravação do vosso primeiro registo. Como avaliam o período desde o início do processo até ao momento em que lançaram o EP?
Afonso – Stressante. Foi a primeira vez que estivemos em estúdio. Nós tínhamos uma ideia daquilo que queríamos, mas ver as coisas a crescer foi mesmo stressante, porque é quase como se tivéssemos ali um filho.
André – É muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, estamos todos num processo de ebulição criativa. Queremos ter algum registo musical, num formato o tão mais possível sério e profissional. Foi o que definimos desde o início e daí a nossa opção de partir logo para estúdio e tentar gravar as músicas. Muitas coisas acabaram por surgir por instinto: arranjos, pormenores. Foram coisas que acabaram por fazer elevar os temas ou por lhe dar outra dimensão. Surgiram com a nossa presença em estúdio ou com a colaboração do próprio Guilhermino Martins.
Afonso – Sem dúvida que foi um processo essencialmente de aprendizagem. Creio que, se estamos actualmente a compor de determinada maneira, com certas perspectivas daquilo que vai ficar no final, deve-se muito ao trabalho que tivemos com o Guilhermino. Aprendemos imenso com ele. Tenho a noção de que hoje em dia não éramos metade daquilo que somos não fosse ele ter estado connosco nesta fase. Muitas vezes chamava-nos à atenção de pormenores que nós nem nos lembrávamos que existiam.

Como é que chegaram ao título do EP?
André - Antes de começar a explicar isso propriamente dito, convém referir que tem tudo a ver com o nosso processo de trabalho. Em primeiro lugar, porque nós gostamos de trabalhar sob uma base conceptual. Quando estamos a compor ou ainda antes de compor, pensamos em determinadas ideias-chave ou determinados conceitos que queremos abordar com a nossa música. Aquilo que nos satisfaz enquanto músicos não é apenas estar a criar música; todos nós temos outras aspirações artísticas. E, quando chegamos à sala de ensaios e estamos a tentar compor, levamos também outras coisas connosco. Influências: sejam literárias, sejam cinematográficas. Gostamos de trabalhar muito com essas bases.
Afonso – A base conceptual aconteceu muito numa abordagem Nietzscheziana, e foi muito baseada também na forma como Nietzche desenvolveu o livro dele, o Ecce Homo. O subtítulo desse livro, para quem não sabe, é exactamente o nome do nosso EP. Nós achámos que fazia todo o sentido porque, no fundo, o álbum tenta transmitir a ideia de como uma pessoa se torna naquilo que é.
André – Que é um pouco aquilo que nós queremos transmitir enquanto banda. Primeiro registo, primeiro trabalho…
Afonso – Para a frente, no fundo, o tema vai andar sempre à volta do processo evolutivo individual.
Quando ouviram o trabalho totalmente editado, pensaram “Era exactamente isto que queríamos?”
André – Fiquei muito satisfeito com todo o registo final. Houve partes que me surpreenderam. Hoje em dia, como é óbvio, olho para trás e há partes que me agradam mais e partes que não me agradam tanto, mas eu acho que isso faz parte da nossa experiência. Não tínhamos na altura a experiência enquanto músicos que eu acho que temos agora.
Afonso – Diria que fiquei bastante surpreso com o resultado final, apesar de ter acompanhado todas as fases da mistura e da masterização. Essencialmente, por inexperiência. Nunca tinha estado num processo destes e achava que ia tudo soar de maneira um pouco diferente. Quando gravámos as coisas na sala de ensaio fiquei com uma ideia de som; chegámos a estúdio e o trabalho final acabou por ser diferente. Foi tão diferente que eu cheguei ao ponto de pensar “fui eu que gravei estas guitarras todas?”, de duvidar do meu próprio trabalho porque realmente aquilo ficou para além daquilo que eu estava à espera. Hoje em dia olho para trás e encaro todo este processo como uma evolução, uma aprendizagem constante e vejo mil e uma coisas no EP que podia ter feito de forma diferente.
André – Mas isso faz parte do processo. E por hoje em dia estarmos confiantes a nível de novas composições, foi muito importante termos dado este primeiro passo desta forma.
Afonso – E de ter sido essa surpresa, porque também nos dá outras perspectivas a nível de como vamos agora trabalhar para que no futuro possa soar como queremos.

Têm tido um feedback positivo em relação ao EP?
Afonso – Estranhamente, sim.

Estranhamente porquê?
André – Primeiro, porque acho que nós temos consciência de que o nosso som não é um som fácil de assimilar. Não temos propriamente um público-alvo a atingir, outra diferença. E depois porque nós, desde o início, quisemos que isto fosse, a nível musical, algo em aberto. Acho que todas as bandas falam disto, não gostam de se rotular a um estilo. O que é certo é que, de uma forma ou de outra, a maioria das bandas acaba por cair mais num estilo do que noutro. Nós, sinceramente, gostávamos que isso connosco não acontecesse. Sabemos que temos sempre uma linha de fundo que é comum, que pode ter a ver com uma componente mais rock ou mais metal - como também a própria componente ambiental - mas não queremos ter problemas de explorar outras coisas, como sonoridades mais pop. Não temos problemas absolutamente nenhuns em seguir esses caminhos.
Afonso – Pode parecer estranho, mas é normal trocarmos entre nós músicas completamente diferentes daquilo que fazemos, para aprendermos algo. É normal eu ir a ouvir música clássica para tentar assimilar algumas formas de composição.
André – Não quer dizer que o nosso próximo trabalho vai ser com uma orquestra (risos), mas não pomos de lado essa hipótese.
Afonso – Eu até costumo dizer em tom de brincadeira que o nosso estilo é “ah, isto é bom, mas não é a minha cena” porque, no fundo, não nos encaixamos em nenhum estilo específico, mas temos vários pontos de…
André – …de contacto entre muita coisa.

O facto de ser um trabalho que se pode dizer um pouco introspectivo mantém-no como um bom trabalho para tocar ao vivo?
André – Enquanto banda, encaramos actuações ao vivo como espectáculos. Daí também o facto de termos dado poucos concertos. Queremos sempre acrescentar algo mais para além de uma banda em cima do palco a tocar instrumentos. Portanto, penso que o trabalho é introspectivo - a força da própria música pode transmitir isso - mas acho que ganha outra dimensão se ao vivo tiver outro tipo de componente. São coisas que também já começamos a experimentar, a nível de projecção de imagem, a nível de jogos de luz. Mas temos consciência também das nossas limitações, temos noção de que é um trabalho que demora algum tempo.
Afonso – Nós temos a perfeita noção, até porque já experimentamos isso, de que tocar o EP na íntegra ao vivo não resulta, porque tem momentos demasiado introspectivos, se não houver outra componente. Nós vemos imensos concertos de post-rock, por exemplo, e essa componente visual costuma estar bastante marcada. As músicas não têm letra, muitas delas são muito ambientais, e as coisas funcionam. Nós precisamos de pôr isso em cima do palco, também. Por isso, é que digo que não resulta. Mas pode vir a resultar.

Qual foi o concerto mais memorável da vossa história enquanto banda?
André – Não foram assim tantos (risos)

Então é mais fácil escolher…
Afonso – Eu acho que cada um teve as suas histórias, no fundo. Por exemplo, o primeiro que demos foi no Porto, no Plano B, a abrir com uma banda de pop, os John is Gone. Foi a convite deles que fomos, íamos lançar o álbum nessa altura. Foi engraçado, eram dois públicos completamente distintos, duas bandas completamente distintas.
André – Cada concerto é sempre diferente. Ainda por cima, com o tipo de som que nós temos, basta o público ser diferente para termos logo reacções muito díspares.
Afonso – O concerto no Showcase em Lamego foi engraçado porque tivemos uma interacção de que não estávamos à espera. Foram amigos, conhecidos e curiosos.
André – Acho que esse foi, provavelmente, o concerto que até agora correu melhor. Talvez por “estarmos em casa”.
Afonso – Também destacava o concerto no Pin Up, porque deu-nos uma aprendizagem do que é organizar um concerto. E depois o do Montinho, até pelo facto de ser inserido num festival.

Em Março vão estar no Hard Club. Já trocaram algumas ideias quanto à actuação?
Afonso – Nós andamos a trabalhar nisso desde há algum tempo.
André – Estamos muito muito focados nesse concerto, é a nossa prioridade neste momento. Até porque entraram elementos novos, há que preparar novas coisas, temos novos temas que já vão ser tocados. E, para além disso, temos algumas remodelações de temas antigos, outras roupagens que também vão figurar na nossa setlist.
Afonso – Relativamente às roupagens, não serão diferenças substanciais. Relativamente a novos temas, vamos experimentar essencialmente. Vai ser um pouco diferente daquilo que se ouviu no EP. Acho que vai ser uma surpresa, espero que seja agradável. Posso adiantar que já tocámos uma vez o set seguido, até com a parte do “Boa noite, Hard Club”. (risos)

O facto de serem oriundos de um meio não muito grande tem sido um obstáculo à divulgação musical?
Afonso – Mais ou menos. Acho que o grande problema tem a ver com as barreiras físicas que ainda existem. É muito difícil para nós, a nível de logística, organizar um concerto em Lisboa, por exemplo. Precisamos de ter todo um suporte que as promotoras às vezes têm. O facto de sermos de onde somos tem sido difícil. Outra questão é que as explosões musicais funcionam muito por nichos e não existe um nicho do interior, apesar de existirem bons projectos lá. Neste momento, podemos falar de um movimento musical que existe em Lisboa, com imensas bandas a aparecer, como Linda Martini. De Braga temos outros exemplos que tais, como Long Way to Alaska. No Porto e em Barcelos também… Estes grupos ganham uma exposição diferente, porque surgem inseridas num movimento.
André – Realmente, o que faz falta numa zona do interior é um movimento musical, que é mais fácil de acontecer nos grandes centros. Embora haja sítios para tocar, ao contrário do que acontecia há alguns anos. Mas torna-se difícil fazer surgir alguma coisa com força suficiente para ser visível a nível nacional.

Quais são os projectos futuros que já têm em mente?
André – Estamos a compor temas novos, a trabalhar novamente sob uma base conceptual…
Afonso – E estamos com alguma ansiedade em relação a isso. Tem surgido de uma forma inesperada, diria até que não seria o rumo lógico das coisas. Isso deixa-nos ainda mais motivados. Cada vez estamos mais entusiasmados, a entrar mais a fundo na composição.
André – Vamos ver o que vai surgir daqui para a frente, podem esperar coisas diferentes.
Afonso – Durante este ano, queremos essencialmente começar a tratar das gravações do novo registo. Possivelmente, vamos fazer um registo mais longo, achamos que já temos maturidade musical para isso e temos ideias suficientes. Queríamos também fazer uma abordagem nova a nível visual, relativamente às nossas actuações. E, em relação ao lançamento do novo registo, queríamos ter uma componente gráfica ainda mais forte.






Post-Scriptum: A entrevista está praticamente em formato integral. Retirei apenas algumas repetições e terei mudado algumas palavras que não faziam sentido da forma como estavam. De qualquer forma, foi uma grande entrevista, graças ao André e ao Afonso. Obrigada.

7 comentários:

v i c t o r h u g o disse...

Entrevista muito boa.
Parabéns a todos!

Helena disse...

A entrevista está muito bem conseguida.Sublime, é a colocação da música desta boa banda, juntamente com as declarações dos seus membros.

Parabéns.Muito bom.

Anónimo disse...

Muito obrigada , Victor ( :

E muito obrigada Helena ( : Deu algum trabalho e por isso fico contente por achares que resulta bem !

R disse...

Grande entrevista. Sem dúvida uma das tuas melhores :) Parabéns!

Anónimo disse...

Muito obrigada , Ricardo ( :

csa disse...

Gostei imenso de os ouvir, no dia 12. E esta entrevista ajuda-me a compreender ainda melhor o que vi no palco do HC. Estão de parabéns a entrevistadora e os entrevistados.

Anónimo disse...

Muito, muito obrigada ( :